Autora: Veleida Anahí da Silva*
Pesquisas sobre a relação dos alunos com o
saber e com a escola foram realizadas na França a partir da década de 1990 e
começaram a ser desenvolvidas no Brasil há pouco tempo. Hoje, são consideradas
de grande relevância para abordar os desafios que nosso país deve encarar. No
entanto, ainda não foram produzidas pesquisas voltadas para a relação dos
alunos com a Matemática, pelo menos até onde saibamos.
Os países do Primeiro Mundo universalizaram o
ensino primário no final do século XIX e, logo, depararam-se com um problema:
crianças não conseguiam aprender a ler, escrever, contar. Estes alunos foram
considerados “atrasados”, até intelectualmente débeis. Na década de 1960, por
motivos econômicos e sociais, esses países abriram as portas do seu ensino
secundário e, novamente, tiveram de enfrentar o problema do fracasso escolar de
uma parte dos novos alunos. Desta vez, porém, o ambiente ideológico de
sociedades democráticas engajadas no caminho do crescimento econômico não
deixou muito espaço para explicações pelos dons individuais e naturais.
Proposta na França por Bourdieu e Passeron e Baudelot e Establet e divulgada
nos Estados Unidos por Bowles e Gintis, a Sociologia da reprodução sustentou
que o fracasso escolar é, antes de tudo, um fenômeno social decorrente das
desigualdades na sociedade capitalista. Conforme essa interpretação, a escola
contribui bastante para reproduzir na geração dos filhos as desigualdades
sócias que existem entre os pais. Em outras palavras, o chamado fracasso
escolar constitui, na verdade, um sucesso das classes dominantes e da sociedade
capitalista.
Resta, entretanto, entender como funciona o
processo. Com efeito, os professores não pretendem levar o aluno ao fracasso os
alunos oriundos das classes sociais desfavorecidas, bem pelo contrário. A
desigualdade social perante a escola é inegável; todas estatísticas
evidenciam-na, seja qual for o país pesquisado. No entanto, não se encontram
pessoas que querem, consciente e voluntariamente, o fracasso dos alunos. Pierre
Bourdieu propôs uma explicação desse paradoxo, com os conceitos de habitus e de capital cultural. Nossas
práticas e representações, explica ele, são estruturadas pelo nosso habitus, isto é, por um conjunto de
disposições psíquicas, duráveis e transponíveis, adquiridas cedo na vida, de
acordo com nossas condições de vida. Tendo em vista que a escola supõe e requer
um habitus condizente com aquele que
é construído nas classes favorecidas, não é de admirar que os filhos desta
classe tenham êxito nela, enquanto os filhos dos mais pobres, que não dispõem
deste habitus, fracassam. Ademais, os
pais das classes dominantes transmitem para os seus filhos um capital de
conhecimentos, palavras, formas de raciocínio que os beneficia na escola.
*Veleida Anahi da Silva é Doutora em Ciências da Educação
pela Universidade de Paris 8, na França, Pós doutorado pela Universidade
Federal de Sergipe, Graduada em Ensino de Ciências e Matemática pela
Universidade de Cuiabá-MT.