FALTA FUNDAMENTAÇÃO DIDÁTICA NO ENSINO DA MATEMÁTICA* (VELHAS ANÁLISES E
ATUAIS PROBLEMAS 2)
A pesquisadora argentina Patricia Sadovsky diz que
os docentes precisam de mais tempo e espaço para refletir sobre sua prática e o
raciocínio dos alunos.
A última avaliação nacional
realizada no Brasil mostrou que os alunos de 8ª série (9º ano) mal dominam os
conhecimentos básicos de Matemática. Por que parece tão difícil aprender essa
disciplina?
PATRICIA SADOVSKY É claro que há muitos fatores envolvidos nesses resultados,
mas a Matemática, não só no Brasil, é apresentada sem vínculos com os problemas
que fazem sentido na vida das crianças e dos adolescentes. Os aspectos mais
interessantes da disciplina, como resolver problemas, discutir idéias, checar
informações e ser desafiado, são pouco explorados na escola. O ensino se resume
a regras mecânicas que ninguém sabe, nem o professor, para que servem.
Dominar regras e fórmulas
não é essencial?
PATRICIA Sim, mas a Matemática que os professores utilizam para
ensinar exatamente esses conceitos básicos carece de fundamentação. Faltam
ênfase no ensino da disciplina e aprofundamento para estabelecer relações
matemáticas. Um exemplo do nível de discussão que precisamos está em como
ensinar o critério de divisibilidade por quatro. O aluno não entende o sentido de
olhar as últimas cifras de um número para saber se ele é divisível ou não por
quatro. Para que ele compreenda que isso é certo, o professor precisa mostrar
que um número pode ser pensado como múltiplo de 100 mais as suas duas últimas
cifras. O número 383, por exemplo, pode ser abordado como 300 mais 83. série Portanto é uma questão que envolve mais de
uma operação matemática e muitos professores não conseguem se dar conta disso.
Esse é um novo enfoque no
ensino, em contraposição ao ensino tradicional?
PATRICIA Não gosto de colocar o tradicional em oposição ao moderno
porque isso pode ser interpretado como uma questão de novo contra velho. Não se
trata de discutir sobre inovação. Isso diz muito pouco sobre o que realmente
importa, que é ver o aluno como alguém capaz de aprender e contribuir na
construção do conhecimento. Este é o cerne da questão: encarar o ensino da
Matemática com base na participação ativa, direta e objetiva da criança na
elaboração do conhecimento que se quer que ela aprenda. Estudar só faz sentido
se for para ter uma profunda compreensão das relações matemáticas, para ser
capaz de entender uma situação problema e pôr em jogo as ferramentas adquiridas
para resolver uma questão. O aluno que não domina um conhecimento fica
dependente do que o professor espera que ele responda. Um exemplo que percebi
muito cedo em sala de aula é que as crianças não tinham vínculo nenhum com as
unidades, dezenas e centenas porque não entendiam os famosos rituais do
"vai um" ou do "pegar emprestado". Afinal, como é que as
crianças concebem o sistema de numeração? Essa é a pergunta que os professores
se devem fazer antes de ensinar.
O que mais o professor precisa saber nos dias atuais?
PATRICIA O profissional de hoje precisa ter uma postura reflexiva
capaz de mostrar que não basta abrir um livro didático em sala de aula para que
as crianças aprendam. O trabalho intelectual do professor requer tomadas de
decisões particulares e coletivas baseadas em uma sólida bagagem conceitual.
Qual a principal dúvida dos professores
em relação à didática da Matemática?
PATRICIA O principal
problema dos professores, argentinos ou brasileiros, é a formação insuficiente.
Não discuto se ela é boa ou ruim, mas tenho certeza de que é insuficiente
porque os conteúdos são, hoje, mais complexos. Há 40 anos, esperava-se que um
professor de Matemática ensinasse cálculos. Hoje as calculadoras fazem essa
tarefa e a sociedade espera desse professor outras competências que
possibilitem a formação de crianças autônomas, capazes de ler diferentes formas
de representação e de elaborar ideias para novos problemas, além daqueles
abordados em sala de aula. Isso tudo requer um profissional com pleno domínio
do conteúdo. Essa é a realidade no Brasil, na Argentina e em outros países. É
demais pedir que o professor compreenda a raiz conceitual de quatro áreas
disciplinares, como a Matemática, a língua, as Ciências Naturais e as Ciências
Sociais. É importante ter consciência de que não basta fazer um curso superior.
É preciso investir na formação continuada.
Fonte:
Revista Nova Escola Edição 199. Fevereiro de 2007.
*Texto
para reflexão n° 02 (encontro de Abril/2016). Retirado do site < http://revistaescola.abril.com.br/matematica/fundamentos/fundamentacao-didatica-ensino-matematica-428262.shtml>
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