segunda-feira, 6 de junho de 2016

A QUESTÃO DA RELAÇÃO COM O SABER (2ª Parte - Um recorte de texto)
AUTORA: Veleida Anahí da Silva*
A abordagem em termos de relação com o saber e com a escola, sem negar de forma alguma a desigualdade social diante da escola, pretende ultrapassar as análises da Sociologia da reprodução. A noção de relação com o saber não nasceu no campo da Sociologia: segundo Beillerot, foi o psicanalista Lacan quem utilizou pela primeira vez (Beillerot, 1989). Mais ainda: Charlot reparou que Bourdieu e Passeron falam, no seu livro La Reproduction em 1970, de “relação com a cultura”, “relação com a linguagem e o saber” (Charlot, 2000). Este autor explica que Bourdier e Passeron pensaram numa “pedagogia racional”, que poderia mudar a relação dos alunos com a cultura, a linguagem, o saber, mas recusaram essa perspectiva: por que a escola da sociedade capitalista iria tentar pôr fim a um fracasso que beneficia os filhos das camadas dominantes desta sociedade?
Quem introduziu a expressão e o conceito de “relação com o saber” na área da Educação, além da reflexão sociológica, foi Bernard Charlot. Ele elaborou “elementos para uma teoria” da relação com o saber (2000) e, com a sua equipe da Universidade de Paris 8, realizou pesquisas de campo voltadas para o que está acontecendo na sala de aula e não apenas para a função social da escola. O seu problema fundamental é igual ao nosso: as dificuldades dos alunos, em particular daqueles que pertencem às camadas populares, face ao que a escola tenta ensinar (2000, 2001, 2005).
Charlot considera que a noção de habitus, por mais interessante que seja, deve ser ultrapassada. Com efeito, segundo o próprio Bourdier o habitus pode mudar quando mudam as condições estruturais da existência do indivíduo. Posto isso, interessante é entender como as disposições dos indivíduos perante o saber mudam e o que a escola pode fazer para contribuir para tal mudança. Isso leva Charlot a substituir a noção de relação com o saber àquela de habitus. Ele ressalta também que a metáfora do “capital cultural” desconhece todo o trabalho a ser feito para que os filhos se apropriem do que sabem os pais. Não “se herda” um capital cultural como se herda uma conta bancária. Os filhos não podem ficar passivos, esperando a herança. Devem refletir, estudar, esforçar-se e os próprios pais hão de produzir um importante trabalho educacional para “transmitir” o dito capital. Ao abordar assim o problema, Charlot introduz no debate a questão da atividade intelectual, a dos pais e a dos filhos. O ser humano, explica ele, não se define apenas pela sua posição social, mas também pela sua atividade no mundo e sobre o mundo. Sob outra forma, para entender o que está acontecendo em uma sala de aula, não basta conhecer o que ocorre na família do aluno, mesmo que seja um elemento para compreender a situação, é preciso também saber quais são as atividades desenvolvidas nesta sala.
*VELEIDA ANAHI DA SILVA, é Doutora em Ciências da Educação pela Universidade de Paris 8, na França, Pós doutorado pela Universidade Federal de Sergipe, Graduada em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade de Cuiabá-MT.

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