DESENVOLVIMENTO
PROFISSIONAL E REFLEXÃO (recortes de textos parte 2)
A reflexão é vista como um
processo em que o professor analisa sua prática, compila dados, descreve
situações, elabora teorias, implementa e avalia projetos e partilha suas idéias
com colegas e alunos, estimulando discussões em grupo. Para Fiorentini e Castro
(2003), sem reflexão o professor mecaniza sua prática, cai na rotina, passando
o trabalho de forma repetitiva, reproduzindo o que já está pronto e o que é
mais acessível, fácil ou simples.
Refletir significa,
segundo Saviani (1980), produzir, de modo meticuloso, significados sobre o que
somos e fazemos: "Refletir é o ato de retomar, reconsiderar os dados
disponíveis, revisar, vasculhar numa busca constante de significados. É
examinar detidamente, prestar atenção, analisar com cuidado” (Saviani, 1980,
p.23).
Refletir,
então, acerca do contexto no qual estamos inseridos, com suas limitações e
possibilidades, permite-nos um novo olhar sobre o mundo escolar em sua dinâmica
e complexidade, Para Gómez (1997), a reflexão implica:
a imersão consciente do homem no mundo da
sua experiência, um mundo carregado de conotações, valores, intercâmbios
simbólicos, correspondências afectivas, interesses sociais e cenários
políticos. O conhecimento acadêmico, teórico, científico ou técnico só pode ser
considerado instrumento dos processos de reflexão se for integrado significativamente,
não em parcelas isoladas da memória semântica, mas em esquemas de pensamento
mais genérico activados pelo indivíduo quando interpreta a realidade concreta
em que vive e quando organiza sua própria experiência. A reflexão não é um
conhecimento "puro", mas sim um conhecimento contaminado pelas
contingências que rodeiam e impregnam a própria experiência vital.
(GÓMEZ, 1997, p. 103).
É nesse sentido que
compreendemos a reflexão: como um caminho possível de rupturas, que busca
índices para compreender melhor o cotidiano escolar e desenvolver ações
pedagógicas que integram mais o aluno e o professor no processo de
ensino-aprendizagem. A reflexão, portanto, aparece como parte do processo de
formação profissional, no qual os saberes docentes são mobilizados,
problematizados e ressignificados pelos futuros professores. Entendemos que o
conceito de ressignificação, que aqui adotamos, é uma das conseqüências da
reflexão.
A ressignificação diz
respeito ao processo criativo de atribuir novos significados a partir do já
conhecido, validando um novo olhar sobre o contexto em que o sujeito está
imerso. Segundo Fiorentini e Castro (2003, p.128), quando estamos imersos numa
prática social, em especial na sala de aula, nossas reflexões e significações
sobre o que já sabemos, fazemos e dizemos podem constituir-se em algo formativo
para cada um de nós.
Gómez (1997) pontua que a
reflexão não é apenas um processo psicológico-individual, uma vez que implica a
imersão do homem no mundo da sua existência. Nesse sentido, torna-se necessário
estabelecer os limites políticos, institucionais e teórico-metodológicos
relacionados à prática, para que não se incorra em uma individualização do
professor, advinda da desconsideração do contexto em que está inserido.
Na vida profissional, o
professor defronta-se com múltiplas situações para as quais não encontra
respostas pré-estabelecidas e que não são suscetíveis de serem analisadas pelo
processo clássico de investigação científica. Na prática, o processo de diálogo
com a situação deixa transparecer aspectos ocultos da realidade divergente e
cria novos marcos de referência, novas formas e perspectivas de perceber e
reagir. A criação e construção de uma nova realidade obrigam o professor a ir
além das regras, fatos, teorias e procedimentos conhecidos e disponíveis. Na
base dessa perspectiva, que confirma o processo de reflexão na ação do
profissional, encontra-se uma concepção construtivista da realidade com que ele
se defronta. Segundo Schön (1983), não há realidades objetivas passíveis de
serem conhecidas; as realidades criam-se e constroem-se no intercâmbio
psicossocial da sala de aula. As percepções, apreciações, juízos e credos do
professor são um fator decisivo na orientação desse processo de construção da
realidade educativa. (Gómez, 1997, p.110)
Pimenta (2002) afirma que
o ensino como prática reflexiva tem se estabelecido como uma tendência
significativa nas pesquisas em educação, apontando para a valorização dos
processos de produção do saber docente a partir da prática reflexiva. Zeichner
(1993) alerta-nos quanto ao uso dos termos prático reflexivo e ensino
reflexivo, que se tornaram slogans da
reforma do ensino e da formação de professores por todo o mundo. Segundo ele, o
discurso sobre a prática reflexiva chegou a ponto de incorporar tudo aquilo em
que se acredita dentro da comunidade educacional acerca do ensino,
aprendizagem, escolaridade e ordem social, perdendo dessa forma seu real
significado e importância.
Nesse
sentido, diversos autores têm apresentado preocupações quanto ao desenvolvimento
de um possível "praticismo", para o qual bastaria à prática reflexiva
para a construção do saber docente, e de um possível "individualismo"
frente a uma reflexão em torno de si própria, o que acarretaria uma possível hegemonia
autoritária. A consideração de que a reflexão é suficiente para a resolução dos
problemas da prática, sem a compreensão das origens e dos contextos que a geram
pode levar à banalização da perspectiva da reflexão. Assim, devemos adotar uma
postura cautelosa e crítica na abordagem da prática reflexiva, evitando o
reducionismo da teoria. Nesse sentido, procederemos a seguir uma análise mais
detida da gênese dessa teoria.
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