domingo, 6 de setembro de 2015

ENSINAR COM CONHECIMENTO
Sergio Lorenzato
Dar aulas é diferente de ensinar. Ensinar é dar condições para que o aluno construa seu próprio conhecimento. Vale salientar a concepção de que há ensino somente quando, em decorrência dele, houver aprendizagem. Note que é possível dar aula sem conhecer, entretanto não é possível ensinar sem conhecer. Mas conhecer o quê? Tanto o conteúdo (matemática) como o modo de ensinar (didática); e ainda sabemos que ambos não são suficientes para uma aprendizagem significativa.
Considerando que ninguém consegue ensinar o que não sabe, decorre que ninguém aprende com aquele que dá aulas sobre o que não conhece. Mesmo quando os alunos conhecem menos que um professor que dá aulas sem domínio do assunto, eles percebem, no mínimo, a insegurança do professor. Qual seria nossa reação num aeroporto, ao tomarmos conhecimento de que o piloto de nosso vôo não conhece bem como nos conduzir? Qual seria sua reação, ao chegar ao pronto-socorro de um hospital com seu filho em seus braços e saber que lá, de plantão naquele horário, só há veterinários? O que os pais esperam de nós, professores, quando nos entregam seus filhos para que estes aprendam matemática?
Reconhecemos que o educando tem o direito de receber do professor um correto conteúdo tratado com clareza, e, para que isso possa acontecer, é fundamental que o professor conheça a matemática e sua didática. Poderia um professor que não conhece matemática sentir a beleza dessa disciplina? Poderia ele sentir o prazer de ensiná-la? Conseguiria dar aulas com paixão e deslumbrar seus alunos?
Também sabemos que a falta de compreensão dos alunos os conduz a acreditarem que a matemática é difícil e que eles não são inteligentes, entre inúmeras outras consequências maléficas. Pesquisas comprovam o que a experiência de vida já mostrava: as causas, entre elas o professor, são esquecidas no tempo, mas as consequências, sejam elas cognitivas ou afetivas, acompanharão os alunos para sempre (LORENZATO, 2003).
Por razões de ética e de responsabilidade, independentemente de sua remuneração, todo professor tem o dever de conhecer o que vai ensinar. Sobre isso, vamos fazer uma experiência. Leia com atenção o texto seguinte:
Um jornal é melhor do que uma revista. Um cume ou encosta é melhor do que uma rua. No inicio parece é melhor correr do que andar. É preciso experimentar várias vezes. Prega várias partidas, mas é fácil de aprender.  Mesmo as crianças podem acha-lo divertido. Uma vez com sucesso, as complicações são minimizadas. Os pássaros raramente se aproximam. Muitas pessoas, às vezes, fazem-no ao mesmo tempo, contudo isso pode causar problemas. É preciso muito espaço. É necessário ter cuidado com a chuva, pois destrói tudo. Se não houver complicações, pode ser muito agradável. Uma pedra pode servir de âncora. Se alguma coisa se partir perdemo-lo e não teremos uma segunda chance [LEVINE,1994].
Mesmo relendo-o, você ficará inseguro, com dúvidas e se perguntando: “do que se trata?”, “a que isso se refere?”. Agora, releia o texto, mas colocando nele o título “A pipa”. Você perceberá que o texto passa a ter significado.
Será que muitos dos nossos alunos sentem dificuldades em aprender porque omitimos informações básicas para eles, as quais, às vezes, nem nós conhecemos? Uma maneira de dar aula sem conhecer é repetir exatamente aquilo que o aluno encontra no livro didático, o que pode conduzir o aluno a conceber o professor como um objeto desnecessário à sua aprendizagem.
Em contrapartida, o professor que ensina com conhecimento conquista respeito, confiança e admiração de seus alunos. Na verdade, “ensinar com conhecimento” aqui tem a conotação de que “quem não conhece não consegue ensinar”, ou então de que “ninguém ensina o que não conhece”. Na prática, essa questão envolve outras, tais como:
·      A respeito de cada assunto a ser ensinado, todo professor precisa conhecer mais do que deve ensinar... e deve ensinar somente aquilo que o aluno precisa ou pode aprender;
·      O professor não tem a obrigação de a tudo saber responder corretamente, no momento da indagação, mas deve ter a humildade de dizer “não sei”, mostrar disposição de procurar uma resposta adequada à questão e de informá-la aos alunos;
·      Geralmente se referindo ao ensino da geometria, é comum professores se dizerem com o direito de não ensiná-la por se sentirem inseguros; não conhecer o assunto a ser ensinado não gera direitos ao professor, mas sim o inevitável dever de aprender ainda mais.
Aqui surge uma questão que não poderia faltar quando se pensa a respeito do conhecimento docente: qual a matemática o professor deve conhecer? A resposta óbvia seria: no mínimo, aquela que o professor terá que ensinar. No entanto, aqueles que cursaram a licenciatura em matemática sabem que nela estudaram matemática superior, com seus laplacianos, jacobianos, divergentes, gradientes, rotacionais, cortes de Dedekind, intervalos encaixantes de Cauchy, topologia algébrica, geometria diferencial, entre outros conteúdos, e sempre pelo método dedutivo, repleto de demonstrações. Por isso, receberam um diploma que lhes deu direito de lecionar o conteúdo matemático que consta dos programas de ensino fundamental e médio, e que deve ser ensinado de modo intuitivo, repleto de atividades experimentais. Tal discrepância explica, em partes, em parte, os nossos elevados índices nacionais de reprovação em matemática, bem como as péssimas classificações do Brasil nas olimpíadas internacionais (LORENZATO, 2004).
A permissão para alguém dar aulas mesmo sem conhecer o assunto também atinge a pós-graduação, quando cursos de formação continuada a professores são ministrados por matemáticos que, apesar de conhecer profundamente o campo que escolherem para fazer seus doutorados, nunca lecionaram para crianças ou jovens, nem apresentam afinidade com a arte de ensinar e desconhecem as contribuições do campo da educação matemática.

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