terça-feira, 6 de setembro de 2016

A QUESTÃO DA RELAÇÃO COM O SABER (4ª Parte - Um recorte de texto)
AUTORA: Veleida Anahí da Silva*
Uma outra equipe de pesquisa francesa explorou a questão da relação com o saber: a equipe da Universidade de Paris X, liderada por Jacky Beillerot. Para este, o ponto de partida deve ser a questão do desejo, analisado com os instrumentos da Psicanálise.
Todo estudo que tomar a relação com o saber como noção central não poderá liberta-se da base psicanalítica; não que isso impeça outras abordagens, mas é a partir da teorização da relação de objeto, do desejo e do desejo de saber, depois da inscrição social destes em relações (que vinculam o psicológico ao social) que será possível assumir o risco de trabalhar com essa noção e de desenvolvê-la; um desenvolvimento que não deverá esquecer algo essencial, sob pena de fazê-la perder seu sentido do desejo (BEILLEROT, BLANCHARD-LAVILLE, MOSCONI, 1996, p.73)
O que existe em primeiro lugar, no psiquismo humano, é o desejo, sem objeto determinado. O problema, segundo Beillerot, é entender como ele encontra um objeto (teorizar a relação de objeto) e se torna “desejo de...”. Como um determinado saber (um teorema de Matemática, por exemplo) pode satisfazer esse desejo fundamental e indeterminado que cada ser humano carrega em si? Pesquisar a dinâmica do desejo permite compreender como ele muda de objeto e pode torna-se desejo de aprender a Matemática.
Não há contradição entre a abordagem de Charlot e a de Beillerot; há, sim, uma complementaridade. Com efeito, apesar de não ter pesquisado diretamente a dimensão inconsciente da relação com o saber, Charlot também considera o desejo como fonte de mobilização para aprender. “Só há sentido do desejo. Isso é efetivamente o essencial” escreve Charlot, numa resposta implícita a Beillerot (Charlot, 2005, p. 38). Mas, acrescenta ele de imediato, “o sujeito se constrói pela apropriação de um patrimônio humano”, que se apresenta a ele sob certas formas sociais e culturais.
Resumidamente: só há sentido do desejo, mas o objeto do desejo é social e histórico. Adotamos esta perspectiva neste artigo. Como a procura do gozo, como dizem os psicanalistas, pode ser satisfeita pelo encontro dos números ou de um teorema? De que se gosta quando se gosta da Matemática?
Entre os seguidores de Beillerot, há duas professoras formadas em Matemática: Claudine Blanchard-Laville e Françoise Hatchuel. Elas desenvolvem a mesma abordagem de Beillerot. Blanchard-Laville defende a ideia de que o espaço da sala de aula é também um “espaço psíquico” (1997) e que a transposição didática é, ainda, uma transferência, no sentido psicanalítico do termo (2003).
Hatchuel destaca a ambivalência do desejo de saber. “Portanto a pulsão de saber enraíza-se em um desejo de autonomia, desejo de substituir o adulto-objeto, de se livrar dele, mas com o risco de ele entrar no jogo e aceitar, enquanto não se tem certeza absoluta de poder assumi-lo” (2005, p.49). Está em jogo na relação com o saber: quem sou eu, quem posso vir a ser? Neste ponto também, as análises das equipes de Charlot e de Beillerot convergem e incorporamos esse tema na nossa pesquisa: quem sou eu, que estou estudando a Matemática, e quem ela pode me ajudar a ser?
*VELEIDA ANAHI DA SILVA, é Doutora em Ciências da Educação pela Universidade de Paris 8, na França, Pós doutorado pela Universidade Federal de Sergipe, Graduada em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade de Cuiabá-MT.

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