sexta-feira, 6 de maio de 2016

A QUESTÃO DA RELAÇÃO COM O SABER (1ª Parte - Um recorte de texto)
Autora: Veleida Anahí da Silva*
Pesquisas sobre a relação dos alunos com o saber e com a escola foram realizadas na França a partir da década de 1990 e começaram a ser desenvolvidas no Brasil há pouco tempo. Hoje, são consideradas de grande relevância para abordar os desafios que nosso país deve encarar. No entanto, ainda não foram produzidas pesquisas voltadas para a relação dos alunos com a Matemática, pelo menos até onde saibamos.
Os países do Primeiro Mundo universalizaram o ensino primário no final do século XIX e, logo, depararam-se com um problema: crianças não conseguiam aprender a ler, escrever, contar. Estes alunos foram considerados “atrasados”, até intelectualmente débeis. Na década de 1960, por motivos econômicos e sociais, esses países abriram as portas do seu ensino secundário e, novamente, tiveram de enfrentar o problema do fracasso escolar de uma parte dos novos alunos. Desta vez, porém, o ambiente ideológico de sociedades democráticas engajadas no caminho do crescimento econômico não deixou muito espaço para explicações pelos dons individuais e naturais. Proposta na França por Bourdieu e Passeron e Baudelot e Establet e divulgada nos Estados Unidos por Bowles e Gintis, a Sociologia da reprodução sustentou que o fracasso escolar é, antes de tudo, um fenômeno social decorrente das desigualdades na sociedade capitalista. Conforme essa interpretação, a escola contribui bastante para reproduzir na geração dos filhos as desigualdades sócias que existem entre os pais. Em outras palavras, o chamado fracasso escolar constitui, na verdade, um sucesso das classes dominantes e da sociedade capitalista.
Resta, entretanto, entender como funciona o processo. Com efeito, os professores não pretendem levar o aluno ao fracasso os alunos oriundos das classes sociais desfavorecidas, bem pelo contrário. A desigualdade social perante a escola é inegável; todas estatísticas evidenciam-na, seja qual for o país pesquisado. No entanto, não se encontram pessoas que querem, consciente e voluntariamente, o fracasso dos alunos. Pierre Bourdieu propôs uma explicação desse paradoxo, com os conceitos de habitus e de capital cultural. Nossas práticas e representações, explica ele, são estruturadas pelo nosso habitus, isto é, por um conjunto de disposições psíquicas, duráveis e transponíveis, adquiridas cedo na vida, de acordo com nossas condições de vida. Tendo em vista que a escola supõe e requer um habitus condizente com aquele que é construído nas classes favorecidas, não é de admirar que os filhos desta classe tenham êxito nela, enquanto os filhos dos mais pobres, que não dispõem deste habitus, fracassam. Ademais, os pais das classes dominantes transmitem para os seus filhos um capital de conhecimentos, palavras, formas de raciocínio que os beneficia na escola.
*Veleida Anahi da Silva é Doutora em Ciências da Educação pela Universidade de Paris 8, na França, Pós doutorado pela Universidade Federal de Sergipe, Graduada em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade de Cuiabá-MT.

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