ENSINAR COM CONHECIMENTO
Sergio Lorenzato
Dar
aulas é diferente de ensinar. Ensinar é dar condições para que o aluno construa
seu próprio conhecimento. Vale salientar a concepção de
que há ensino somente quando, em decorrência dele, houver aprendizagem. Note
que é possível dar aula sem conhecer, entretanto não é possível ensinar sem
conhecer. Mas conhecer o quê? Tanto o conteúdo (matemática) como o modo de
ensinar (didática); e ainda sabemos que ambos não são suficientes para uma
aprendizagem significativa.
Considerando
que ninguém consegue ensinar o que não sabe, decorre que ninguém aprende com
aquele que dá aulas sobre o que não conhece. Mesmo quando os alunos conhecem
menos que um professor que dá aulas sem domínio do assunto, eles percebem, no
mínimo, a insegurança do professor. Qual seria nossa reação num aeroporto, ao
tomarmos conhecimento de que o piloto de nosso vôo não conhece bem como nos
conduzir? Qual seria sua reação, ao chegar ao pronto-socorro de um hospital com
seu filho em seus braços e saber que lá, de plantão naquele horário, só há
veterinários? O que os pais esperam de nós, professores, quando nos entregam
seus filhos para que estes aprendam matemática?
Reconhecemos
que o educando tem o direito de receber do professor um correto conteúdo tratado
com clareza, e, para que isso possa acontecer, é fundamental que o professor
conheça a matemática e sua didática. Poderia um professor que não conhece
matemática sentir a beleza dessa disciplina? Poderia ele sentir o prazer de
ensiná-la? Conseguiria dar aulas com paixão e deslumbrar seus alunos?
Também
sabemos que a falta de compreensão dos alunos os conduz a acreditarem que a
matemática é difícil e que eles não são inteligentes, entre inúmeras outras
consequências maléficas. Pesquisas comprovam o que a experiência de vida já
mostrava: as causas, entre elas o professor, são esquecidas no tempo, mas as
consequências, sejam elas cognitivas ou afetivas, acompanharão os alunos para
sempre (LORENZATO, 2003).
Por
razões de ética e de responsabilidade, independentemente de sua remuneração,
todo professor tem o dever de conhecer o que vai ensinar. Sobre isso, vamos
fazer uma experiência. Leia com atenção o texto seguinte:
Um jornal é melhor do
que uma revista. Um cume ou encosta é melhor do que uma rua. No inicio parece é
melhor correr do que andar. É preciso experimentar várias vezes. Prega várias
partidas, mas é fácil de aprender. Mesmo
as crianças podem acha-lo divertido. Uma vez com sucesso, as complicações são
minimizadas. Os pássaros raramente se aproximam. Muitas pessoas, às vezes,
fazem-no ao mesmo tempo, contudo isso pode causar problemas. É preciso muito
espaço. É necessário ter cuidado com a chuva, pois destrói tudo. Se não houver
complicações, pode ser muito agradável. Uma pedra pode servir de âncora. Se
alguma coisa se partir perdemo-lo e não teremos uma segunda chance
[LEVINE,1994].
Mesmo
relendo-o, você ficará inseguro, com dúvidas e se perguntando: “do que se
trata?”, “a que isso se refere?”. Agora, releia o texto, mas colocando nele o
título “A pipa”. Você perceberá que o texto passa a ter significado.
Será
que muitos dos nossos alunos sentem dificuldades em aprender porque omitimos
informações básicas para eles, as quais, às vezes, nem nós conhecemos? Uma
maneira de dar aula sem conhecer é repetir exatamente aquilo que o aluno
encontra no livro didático, o que pode conduzir o aluno a conceber o professor
como um objeto desnecessário à sua aprendizagem.
Em
contrapartida, o professor que ensina com conhecimento conquista respeito,
confiança e admiração de seus alunos. Na verdade, “ensinar com conhecimento”
aqui tem a conotação de que “quem não conhece não consegue ensinar”, ou então
de que “ninguém ensina o que não conhece”. Na prática, essa questão envolve
outras, tais como:
· A
respeito de cada assunto a ser ensinado, todo professor precisa conhecer mais
do que deve ensinar... e deve ensinar somente aquilo que o aluno precisa ou
pode aprender;
· O
professor não tem a obrigação de a tudo saber responder corretamente, no
momento da indagação, mas deve ter a humildade de dizer “não sei”, mostrar
disposição de procurar uma resposta adequada à questão e de informá-la aos
alunos;
· Geralmente
se referindo ao ensino da geometria, é comum professores se dizerem com o
direito de não ensiná-la por se sentirem inseguros; não conhecer o assunto a
ser ensinado não gera direitos ao professor, mas sim o inevitável dever de
aprender ainda mais.
Aqui
surge uma questão que não poderia faltar quando se pensa a respeito do
conhecimento docente: qual a matemática o professor deve conhecer? A resposta
óbvia seria: no mínimo, aquela que o professor terá que ensinar. No entanto,
aqueles que cursaram a licenciatura em matemática sabem que nela estudaram
matemática superior, com seus laplacianos, jacobianos, divergentes, gradientes,
rotacionais, cortes de Dedekind, intervalos encaixantes de Cauchy, topologia
algébrica, geometria diferencial, entre outros conteúdos, e sempre pelo método
dedutivo, repleto de demonstrações. Por isso, receberam um diploma que lhes deu
direito de lecionar o conteúdo matemático que consta dos programas de ensino
fundamental e médio, e que deve ser ensinado de modo intuitivo, repleto de
atividades experimentais. Tal discrepância explica, em partes, em parte, os
nossos elevados índices nacionais de reprovação em matemática, bem como as
péssimas classificações do Brasil nas olimpíadas internacionais (LORENZATO,
2004).
A
permissão para alguém dar aulas mesmo sem conhecer o assunto também atinge a
pós-graduação, quando cursos de formação continuada a professores são
ministrados por matemáticos que, apesar de conhecer profundamente o campo que
escolherem para fazer seus doutorados, nunca lecionaram para crianças ou
jovens, nem apresentam afinidade com a arte de ensinar e desconhecem as
contribuições do campo da educação matemática.
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