terça-feira, 6 de outubro de 2015

UMA PERSPECTIVA INCLUSIVA DA AVALIAÇÃO
Thereza Penna Firme[1].
“A avaliação apreciativa propõe ver a realidade no seu lado mais promissor e, a sombra dessa luz projetada, descobrir com competência e ética o que deve ser corrigido e de fato corrigi-lo.”
Contam que o célebre autor de histórias infantis Hans Christian Andersen, um pobre modesto e dedicado sapateiro de Copenhague, na Dinamarca, em sua banca de trabalho, onde remendava e costurava sapatos, costurava e remendava também a alegria e a emoção das crianças que por ali passavam a caminho da escola, lá pelos idos do século XIX. Famoso pelos seus contos de fada, Andersen foi, segundo estudiosos, “a primeira voz autenticamente romântica a contar histórias para as crianças, e buscava sempre passar padrões de comportamento que deveriam ser adotados pela nova sociedade que se organizava, inclusive apontando os confrontos entre ‘poderosos’ e ‘desprotegidos’, ‘fortes’ e ‘fracos’, ‘exploradores’ e ‘explorados’. Andersen também pretendia demonstrar a ideia de que todos os homens deveriam ter direitos iguais” (Wikipédia).
Um dia, Andersen decidiu caminhar até a escola para onde aquelas crianças corriam depois de passar momentos fascinantes junto a ele, de quem possivelmente não desejariam se afastar jamais. Foi então que ele viu indignado, na saída da escola, a cena humilhante de um menino “feinho” tal como era ali percebido, ser agredido, empurrado e xingado pelos outros meninos, sem que qualquer iniciativa de proteção dos adultos fosse tomada. Hans puxou-o para perto dele e ali mesmo, sentado no muro da escola, contou-lhe a história que acabava de inventar especialmente para o “menino feinho”: O Patinho Feio, que não é preciso contar aqui porque tantas vezes contamos essa história às nossas crianças.
O menino parou de chorar, foi feliz para casa, contou o ocorrido para o pai, que imediatamente procurou o extraordinário “psicólogo sapateiro” ou talvez “filósofo” ou, por certo “educador” para agradecer-lhe a transformação de seu menino, ontem patinho feio, hoje cisne de rara beleza! Andersen tinha costurado a autoestima de seu filho. Esse pai era editor de histórias infantis e levou toda a obra rascunhada de Andersen para publicá-la. Foi assim que nasceu o que hoje temos o privilégio de conhecer: essa literatura de sabedoria e criatividade que já atravessa séculos.
Estudos sobre autoestima (Sears e Sherman, 1964; Penna Firme, 1969) e a experiência profissional têm destacado o papel crucial dessa apreciação do autoconceito no ajustamento pessoal e no desenvolvimento harmonioso dos grupos humanos e das organizações, enfatizando que autoestima está relacionada com autoconfiança e tolerância à autocrítica e à frustração. O aumento da autoestima eleva o nível de aprendizagem e de competência profissional. Ao contrário, as pessoas tendem a não atuar bem quando se espera menos delas. É necessário, portando, descobrir meios efetivos de elevar a autoestima dos alunos, de outros atores envolvidos no processo educativo e das organizações simultaneamente, tornando públicos os sucessos alcançados, o que, por certo, resultará em contínuo aperfeiçoamento. Além disso, quanto mais elevada for a autoestima de um indivíduo, mais positivos serão seus sentimentos em relação a outros indivíduos e mais positivamente ele será capaz de perceber os sentimentos de outros  a seu respeito.
Em síntese, a avaliação apreciativa, nesse contexto tradicional e conservador da avaliação é um desafio. (...) Não se deve culpar a vítima, mas indagar por que e como o sistema escolar está fracassando com nossas crianças, em vez de por que e como essas crianças, estão fracassando. O papel do avaliador é buscar corrigir os fatores que sustentam a injustiça social, descobrindo os elementos que contribuem para os problemas sociais e solução. Nesse sentido é necessário desfazer o nó, ou seja, o bloqueio da decepção e desesperança e abrir caminhos desobstruídos de crescimento individual e social. Para isso, precisamos abraçar o “patinho feio” e, juntos com ele, descobrir o cisne deslumbrante que está dentro dele. É preciso levar conosco o que foi deixado de lado, excluído, abandonado e resgatá-lo. É necessário incluir, apreciar e, sobretudo, amar antes de ensinar. Avaliação é isso.
Fonte: Texto retirado da Revista Pátio. Artmed – Ano XIII – maio/julho 2009. P. 44 - 47.


[1] Doutora (Ph. D) em Educação e em Psicologia da Criança e do Adolescente, consultora em Avaliação, professora aposentada da UFRJ e coordenadora do centro de Avaliação, da Fundação Cesgranrio.

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