quinta-feira, 6 de outubro de 2016

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E REFLEXÃO (recortes de textos parte 2)
A reflexão é vista como um processo em que o professor analisa sua prática, compila dados, descreve situações, elabora teorias, implementa e avalia projetos e partilha suas idéias com colegas e alunos, estimulando discussões em grupo. Para Fiorentini e Castro (2003), sem reflexão o professor mecaniza sua prática, cai na rotina, passando o trabalho de forma repetitiva, reproduzindo o que já está pronto e o que é mais acessível, fácil ou simples.
Refletir significa, segundo Saviani (1980), produzir, de modo meticuloso, significados sobre o que somos e fazemos: "Refletir é o ato de retomar, reconsiderar os dados disponíveis, revisar, vasculhar numa busca constante de significados. É examinar detidamente, prestar atenção, analisar com cuidado” (Saviani, 1980, p.23).
Refletir, então, acerca do contexto no qual estamos inseridos, com suas limitações e possibilidades, permite-nos um novo olhar sobre o mundo escolar em sua dinâmica e complexidade, Para Gómez (1997), a reflexão implica:
a imersão consciente do homem no mundo da sua experiência, um mundo carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências afectivas, interesses sociais e cenários políticos. O conhecimento acadêmico, teórico, científico ou técnico só pode ser considerado instrumento dos processos de reflexão se for integrado significativamente, não em parcelas isoladas da memória semântica, mas em esquemas de pensamento mais genérico activados pelo indivíduo quando interpreta a realidade concreta em que vive e quando organiza sua própria experiência. A reflexão não é um conhecimento "puro", mas sim um conhecimento contaminado pelas contingências que rodeiam e impregnam a própria experiência vital. (GÓMEZ, 1997, p. 103).
É nesse sentido que compreendemos a reflexão: como um caminho possível de rupturas, que busca índices para compreender melhor o cotidiano escolar e desenvolver ações pedagógicas que integram mais o aluno e o professor no processo de ensino-aprendizagem. A reflexão, portanto, aparece como parte do processo de formação profissional, no qual os saberes docentes são mobilizados, problematizados e ressignificados pelos futuros professores. Entendemos que o conceito de ressignificação, que aqui adotamos, é uma das conseqüências da reflexão.
A ressignificação diz respeito ao processo criativo de atribuir novos significados a partir do já conhecido, validando um novo olhar sobre o contexto em que o sujeito está imerso. Segundo Fiorentini e Castro (2003, p.128), quando estamos imersos numa prática social, em especial na sala de aula, nossas reflexões e significações sobre o que já sabemos, fazemos e dizemos podem constituir-se em algo formativo para cada um de nós.
Gómez (1997) pontua que a reflexão não é apenas um processo psicológico-individual, uma vez que implica a imersão do homem no mundo da sua existência. Nesse sentido, torna-se necessário estabelecer os limites políticos, institucionais e teórico-metodológicos relacionados à prática, para que não se incorra em uma individualização do professor, advinda da desconsideração do contexto em que está inserido.
Na vida profissional, o professor defronta-se com múltiplas situações para as quais não encontra respostas pré-estabelecidas e que não são suscetíveis de serem analisadas pelo processo clássico de investigação científica. Na prática, o processo de diálogo com a situação deixa transparecer aspectos ocultos da realidade divergente e cria novos marcos de referência, novas formas e perspectivas de perceber e reagir. A criação e construção de uma nova realidade obrigam o professor a ir além das regras, fatos, teorias e procedimentos conhecidos e disponíveis. Na base dessa perspectiva, que confirma o processo de reflexão na ação do profissional, encontra-se uma concepção construtivista da realidade com que ele se defronta. Segundo Schön (1983), não há realidades objetivas passíveis de serem conhecidas; as realidades criam-se e constroem-se no intercâmbio psicossocial da sala de aula. As percepções, apreciações, juízos e credos do professor são um fator decisivo na orientação desse processo de construção da realidade educativa. (Gómez, 1997, p.110)
Pimenta (2002) afirma que o ensino como prática reflexiva tem se estabelecido como uma tendência significativa nas pesquisas em educação, apontando para a valorização dos processos de produção do saber docente a partir da prática reflexiva. Zeichner (1993) alerta-nos quanto ao uso dos termos prático reflexivo e ensino reflexivo, que se tornaram slogans da reforma do ensino e da formação de professores por todo o mundo. Segundo ele, o discurso sobre a prática reflexiva chegou a ponto de incorporar tudo aquilo em que se acredita dentro da comunidade educacional acerca do ensino, aprendizagem, escolaridade e ordem social, perdendo dessa forma seu real significado e importância.
Nesse sentido, diversos autores têm apresentado preocupações quanto ao desenvolvimento de um possível "praticismo", para o qual bastaria à prática reflexiva para a construção do saber docente, e de um possível "individualismo" frente a uma reflexão em torno de si própria, o que acarretaria uma possível hegemonia autoritária. A consideração de que a reflexão é suficiente para a resolução dos problemas da prática, sem a compreensão das origens e dos contextos que a geram pode levar à banalização da perspectiva da reflexão. Assim, devemos adotar uma postura cautelosa e crítica na abordagem da prática reflexiva, evitando o reducionismo da teoria. Nesse sentido, procederemos a seguir uma análise mais detida da gênese dessa teoria.
REFERÊNCIAS
D'AMBRÓSIO, Beatriz S. Formação de professores de Matemática para o século XXI: o grande desafio. Pró-Posições. Campinas - SP, v. 4, n 1 [10], p. 35-41, mar. 1993.
D'AMBRÓSIO, Ubiratan, 1932. Educação Matemática: da teoria à prática. Campinas - SP: Papirus, 1996.
FIORENTINI, Dario e CASTRO, Franciana Carneiro. Tornando-se professor de Matemática: O Caso de Allan em prática de ensino e estágio supervisionado. In: FIORENTINI, Dario (org) Formação de professores de Matemática: explorando novos caminhos com outros olhares. Campinas - SP: Mercado de Letras, 2003.
FIORENTINI, Dario. Alguns modos de ver e conceber o ensino da Matemática no Brasil. Revista Zetetiké. Ano 3. nº 4 / 1995, p. 1-37. Campinas - SP: FE – CEMPEM.
GÓMEZ, Angel Pérez. O pensamento prático do professor. A formação do professor como profissional reflexivo. In: NÓVOA, A. Os professores e a sua formação. 3 ed. Lisboa: Dom Quixote, 1997.
PEREZ, Geraldo. Formação de professores de Matemática sob a perspectiva do desenvolvimento profissional. In: BICUDO, Maria Aparecida Viggiani. Pesquisa em educação Matemática: concepções e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1999.
PEREZ, Geraldo. Prática reflexiva do professor de Matemática. In: BICUDO, Maria Aparecida Viggiani; BORBA, Marcelo de Carvalho. Educação Matemática: pesquisa em movimento. São Paulo: Cortez, 2004.
PIMENTA, Selma Garrido. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, Selma Garrido; GHEDIN, Evandro (orgs) Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002.
SAVIANI, D. Educação: Do sendo comum à consciência filosófica. São Paulo, Cortez e Autores Associados, 1980.
ZEICHNER, Kenneth M. A formação reflexiva de professores: idéias e práticas. Trad. A. J. Carmona Teixeira, Maria João Carvalho e Maria Nóvoa. Lisboa: Educa, 1993.
SCHÖN, Donald A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem, trad. Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
SCHÖN, Donald A. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, Antônio (coord.) Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1997, p. 77-114.

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